Imagine um chefe chato, grosseiro, que não se importa em dar broncas frequentes nos seus subordinados, na frente de colegas deles - e até de clientes. Ou, mais graves ainda, se ele se mostra preconceituoso e racista. Os erros são elementares, mas ocorrem. E geram prejuízos às empresas.
Uma tapeçaria foi condenada a pagar R$ 6 mil a uma funcionária que era repreendida pelo chefe diante de outras pessoas, “em tom elevado, por motivos banais”. Testemunhas confirmaram a alegação dela. A Segunda Turma do Tribunal Regional da 2ª Região (SP) reformou decisão da 2ª Vara de Cotia e condenou a empresa.
A desembargadora-relatora, Sônia Maria Forster do Amaral, considerou que ainda que houvesse falhas na conduta da empregada, “a correção na maneira de trabalhar deveria ser feita separadamente, com discrição, sem constranger ou humilhar o trabalhador na frente de todos”.
Num outro caso de ofensa à dignidade humana, julgado pela 9ª Câmara do Tribunal Regional do trabalho da 15ª, a empresa foi condenada a indenizar a funcionária em R$ 25 mil por assédio moral e racial.
O gerente dessa empresa chegou a gravar um vídeo repreendendo a funcionária na praça de alimentação. Ele já tinha reservas a ela, a quem teria dito que não gostava de preto – ela é preta, vinda do Haiti! Ela também disse ter sofrido discriminação no dia a dia de trabalho porque grande parte das tarefas de limpeza ficava sempre a seu encargo, mesmo quando esteve grávida. Depoimentos de testemunhas confirmam que a ela o gerente dispensava tratamento diferenciado daquele que dava a outros funcionários.
O desembargador José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, relator do caso, julgou as ofensas sofridas pela funcionária como sendo “de natureza grave, eis que ostenta destacada repulsa social, sobretudo porque vinculada a preconceitos históricos fortemente rechaçados pela sociedade, e direcionada a pessoa vulnerável, sendo mulher, negra, em idade fértil, com filhos menores de dezoito anos e baixo nível de renda e escolaridade e, ainda, estrangeira, proveniente de país devastado pela guerra e pela pobreza”.
O advogado Carlos Augusto Bim, diretor do Juslabore diz que “Infelizmente a porta do racismo estrutural está aberta nas relações de trabalho e comumente é tratado como um problema moral ou cultural a ser enfrentado. Contudo, é necessária uma visão mais complexa sobre as relações de raça quando presente na esfera trabalhista”.
Na visão do professor Sílvio Almeida, Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o racismo “não é um ato ou um conjunto de atos e tampouco se resume a um fenômeno restrito às práticas institucionais; é, sobretudo, um processo histórico e político em que as condições de subalternidade ou de privilégio de sujeitos racializados são estruturalmente reproduzidas”.
Portanto, comenta Bim: “o racismo está presente nas relações de trabalho, decorrente da própria estrutura social, ou seja, encarado equivocadamente como modo “normal”, como elemento subjacente que constitui as relações no mercado de trabalho, que acaba obrigando a ação corretiva do judiciário trabalhista.”
Autores: Carlos Augusto Bim – Advogado Trabalhista e Felipe de Queiroz - Economista.